quinta-feira, 23 de maio de 2013

Eu não sou amorosa

Amanhã ou depois de amanhã eu vou te ver, como ontem, e como outros muitos dias.
Vou subir o elevador franzindo a testa, preocupada como às vezes fico e um pouco triste como sem querer sou. Formularei duas maneiras de te dar notícias ruins.
Aí você vai abrir a porta e eu, sem pensar, vou sorrir. Você vai falar 'Do que você tá rindo, qual é a graça, me diz'. 'Olha, é que eu estou feliz' é a resposta que vou omitir. Neste momento é que sempre decido abandonar minhas conclusões de elevador.

Você vai me dar um beijo e depois uma rápida conversa de três ou quatro travessões antes que cada um ocupe o sofá que lhe cabe.

Enquanto joga concentrado o videogame, paro e fico te olhando por 2,5,10 minutos e penso 'Meu coração é uma ferida, não tenho nada pra te oferecer mesmo querendo muito'. É então que você me descobre espionando e perde a cabeça comigo. Se eu estiver deitada no chão, podemos multiplicar tudo por 2.

No nosso clube exclusivo, um tempo depois, coloco minha máquina do tempo pra funcionar: convites que não aceitei, minha meia calça furada do ballet, quando você descobriu o meu segredo. Aquela vez que fiquei tão triste e chorei, "feliz ano novo", te ouvir falar sobre as coisas que mais gosta. Você sabia que a primeira vez que te abracei de verdade foi depois de um cinema?

'No que você tá pensando?' 'Em nada!'

Eu sei que nasci com o romantismo defeituoso e faço graça até com a minha mãe louca, mas quando digo Eu te amo, é sincero, ainda que meio inconsequente. Acho que é por isso que não deixo que cada uma das histórias malucas que me chegam sem serem pedidas me empurrem para dentro de um calabouço de desconfianças, porque te coloquei do lado do que me faz bem, e vi em você algo bom e raro. E quis pra mim.

Hoje, enquanto lia mais um daqueles meus livros de gente chata, consegui finalmente nomear o incômodo de que tanto falo: é como se, a cada dia e cada vez mais, estivéssemos nos despedindo. Só que ainda estou aqui.

Do que não falamos mais e do que nunca precisou ser dito,  da novidade que sempre passa, dos medos com os quais me acostumei, nada disso. Do que sinto mais falta é saber que você também está aqui.

Tenho, sim, minhas vontades de não voltar mais e é certo que vez ou outra olho para o lado também, mas quando te encontro depois de um dia difícil, apesar de todas as minhas distrações, ainda me sinto uma menina de sorte. 

Amanhã ou depois de amanhã eu vou te ver e fazer de conta que nunca disse nada disso, imagina. E você vai quase me derrubar do teu colo, e dizer que o meu cabelo está pior do que o de não sei quem.

E eu vou rir. É que não sou amorosa, você sabe.
'Não é nada, é que eu estou feliz'.


_Explosions in the sky - So long, lonesome

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