domingo, 13 de outubro de 2013

Valsa da entrega

Eu aceito o tempo que passa e desmorona tudo
Eu me curvo pra minha tristeza
Essa rainha cega, mas bonita
E se ela me encarar
E se ela me chamar
Eu vou sem pressa.

Eu viajo pelos corredores das memórias
Minhas, suas, nossas
Eu ofereço no altar do ontem o meu coração
E se ele receber
E se ele recusar
Eu entrego tudo.

Eu brinco com esse caderno de possibilidades
De folhas gastas, rasgadas
Eu escrevo seu nome com cuidado
E se você disser
E se você vier
Eu descanso inteira


O tempo, a memória, a possibildade.
Tristeza, seu nome, coração
Tudo é escuro
Tudo é eco
Da tua resposta burra:
"Não"

Deixa estar o tempo a memória a possibilidade
Deixa vir tristeza seu nome coração
Amanhã a sua oferta sincera
Renascerá nas mãos dessa rainha
E nesse caderno despetalado
Brotará do teu silêncio corajoso
Uma canção.



_Pedro Luis - "Na medida do meu coração"

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Mimetismo

Eu sei e você sabe
Essa pele não me cabe
Quis trocar, corrigir
Escondi
Ser eu por fora, também
Que os meus cabelos significassem que
Eu gosto do que preciso gostar pra você gostar de mim
Mas eles só gritam
"É melhor não"
E têm um cheiro bom, mas errado.

E o meu coração -dizem-
É de ouro.
(Isso é tão old school)
Mas grande coisa, ninguém quer roubar, 
Porque sou burra e o ofereço
Sempre.

Vou voltar naquele assunto:
Cortei a gola da minha camisa
E no meu corpo não desenhei nada
Sem graça!
No espelho eu vi
Meus olhos emoldurados com as cores dessa insônia,
O excesso de tudo,
É meu mas eu não quero.

Vou ler Nabokov em paz
E saber que ninguém vai saber
E tem mais:
Seus olhos e sua lingua não conversam
Eles dizem coisas diferentes:
Eu não sou linda eu sei
E está tudo bem, eu juro.

Eu só queria parecer mais comigo.

_Lana Del Rey - Summertime Sadness





quinta-feira, 13 de junho de 2013

when I'm with you, I have fun

Pra você, com quem não faço planos, mas pra quem reservo meus sábados, minhas boas novidades e a ansiedade sufocante de que amanhã você ainda esteja por perto.
Pra você, de quem não sou amiga, mas que quando me faz esquecer da baderna que é a minha vida, é o melhor amigo que eu poderia ter.
 Pra você, que acha o Paul McCartney um babaca, mas que vem passear na minha cabeça quando ouço minhas músicas de bicha, nas letras bonitas e no meu coração meio infantil.
 Pra você, com quem brigo e de quem reclamo - sou tão chata - mas em quem não mudaria uma vírgula e nem acrescentaria qualquer porém.
 Pra você que está longe, tão longe, e é pra quem tenho vontade de mostrar um poema que gostei no meio da madrugada ( e mostro).
Pra você que me faz ver filmes coreanos ridículos, que me pede pra cozinhar sabendo que sou um desastre e com quem me divirto até em um dia fadado ao tédio, deitada no sofá.
 Pra você que acha que falo muito, que não calo a boca, mas com quem consigo dividir o meu silêncio sem nenhum desconforto (isso é tão raro!)
Pra você, por quem eu não mudaria quem eu sou, mas que vez ou outra me faz pensar em quem eu poderia ser pra que eu nunca tivesse que te dizer tchau.
 Pra você, de quem não sinto um pingo de ciúme, é claro que não, mas que já me fez chorar de medo antes de dormir.
Pra você, com quem quero estar a toda hora e de quem nunca enjôo. Você que sabe tomar conta da minha solidão ( eu vou aprender a proteger a sua também).
Pra você, que acha romance tão brega, e tem a maior cara de ser aqueles velhos meio socialistas que dizem "Dia 12 de junho é uma data comercial".
Pra você que não é o meu namorado, mas é quem eu amo - e tanto! Não sei o que poderia ser mais relevante que isso.
 (Não importa o nome que se dá, aqui tem algo especial, eu sei, espero que saiba também)

 Pra você, um feliz dia, do que quer que a gente seja.

  _Best coast - "When I`m with you"

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Como tudo parece estar da mesma maneira (E não está)

Eu sei o que significa 'antes'
E é uma sensação.

É que te deixei entrar
E sempre gostei desses escombros
E porque as minhas paredes desmoronadas 
Eram muito melhores
Do que este forte medieval,
Prosaico
(E mais seguras também)


Mas eu sigo, de cabeça baixa,
As inextrincáveis linhas
Da minha memória severa
E dou com os mesmos avisos
Os mesmos fantasmas azulados
E as mesmas conclusões
E o medo
 (Eu corri o risco)
E você,
Com a sua bandeja de desculpas
Seus retalhos de tempo
Eu sei que é pra mim
Mas é insuficiente.

Não é generosidade, não é perdão
É apenas querer.
        (Eu não menti)
É que sei o que significa 'antes'
E não está mais aqui. 





_Paul Banks - "Another chance"

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Plano de Carreira

mas ele me perguntou
o que é que eu sei fazer
e eu disse
estragar

bom, está contratada
engoli seco porque
eu só queria a minha paz de volta

agora
vão trazer, aos montes
papeladas de problemas
para eu, quem sabe, resolver

até que
breve momento de juízo
concluirei:

não sou um avestruz.

e nunca mais 
um centavo na minha conta
e nunca mais a vida engarrafada

vou embora com 
o circo da coragem
diz à minha sombra que já volto.


_Of monsters and men - "Dirty paws"

Eu não sou amorosa

Amanhã ou depois de amanhã eu vou te ver, como ontem, e como outros muitos dias.
Vou subir o elevador franzindo a testa, preocupada como às vezes fico e um pouco triste como sem querer sou. Formularei duas maneiras de te dar notícias ruins.
Aí você vai abrir a porta e eu, sem pensar, vou sorrir. Você vai falar 'Do que você tá rindo, qual é a graça, me diz'. 'Olha, é que eu estou feliz' é a resposta que vou omitir. Neste momento é que sempre decido abandonar minhas conclusões de elevador.

Você vai me dar um beijo e depois uma rápida conversa de três ou quatro travessões antes que cada um ocupe o sofá que lhe cabe.

Enquanto joga concentrado o videogame, paro e fico te olhando por 2,5,10 minutos e penso 'Meu coração é uma ferida, não tenho nada pra te oferecer mesmo querendo muito'. É então que você me descobre espionando e perde a cabeça comigo. Se eu estiver deitada no chão, podemos multiplicar tudo por 2.

No nosso clube exclusivo, um tempo depois, coloco minha máquina do tempo pra funcionar: convites que não aceitei, minha meia calça furada do ballet, quando você descobriu o meu segredo. Aquela vez que fiquei tão triste e chorei, "feliz ano novo", te ouvir falar sobre as coisas que mais gosta. Você sabia que a primeira vez que te abracei de verdade foi depois de um cinema?

'No que você tá pensando?' 'Em nada!'

Eu sei que nasci com o romantismo defeituoso e faço graça até com a minha mãe louca, mas quando digo Eu te amo, é sincero, ainda que meio inconsequente. Acho que é por isso que não deixo que cada uma das histórias malucas que me chegam sem serem pedidas me empurrem para dentro de um calabouço de desconfianças, porque te coloquei do lado do que me faz bem, e vi em você algo bom e raro. E quis pra mim.

Hoje, enquanto lia mais um daqueles meus livros de gente chata, consegui finalmente nomear o incômodo de que tanto falo: é como se, a cada dia e cada vez mais, estivéssemos nos despedindo. Só que ainda estou aqui.

Do que não falamos mais e do que nunca precisou ser dito,  da novidade que sempre passa, dos medos com os quais me acostumei, nada disso. Do que sinto mais falta é saber que você também está aqui.

Tenho, sim, minhas vontades de não voltar mais e é certo que vez ou outra olho para o lado também, mas quando te encontro depois de um dia difícil, apesar de todas as minhas distrações, ainda me sinto uma menina de sorte. 

Amanhã ou depois de amanhã eu vou te ver e fazer de conta que nunca disse nada disso, imagina. E você vai quase me derrubar do teu colo, e dizer que o meu cabelo está pior do que o de não sei quem.

E eu vou rir. É que não sou amorosa, você sabe.
'Não é nada, é que eu estou feliz'.


_Explosions in the sky - So long, lonesome

Para Laura, com amor

Querida Laura,

Hoje a nossa história começou. Em algum lugar você já existe em mim. Sabemos que o tempo é uma invenção empírica do homem e são pelos espelhos gastos desse mesmo tempo que te assisto, com seus grandes olhos curiosos, debruçada na janela do mundo. Você sorri. Acho que é pra mim. Seja sempre bem-vinda. 

Tenho 26 anos e sei muito pouco. Mas o que sei, ensino. O egoísmo mais feio que existe é saber e deixar embolorar. O que souber, ensine, Laura. Esta é, talvez, a primeira lição, ainda que não a mais importante. 

A sua mãe é tímida e quieta. Fala doses cavalares de besteira. Enquanto conversa com alguém, percorre todo o espaço-tempo doze vezes, depois aterriza e sorri. Mas entende. Entender alguém é sobre a verdadeira atenção, que vai além do repetir palavras e continuar os diálogos. Tem um pouco a ver com querer. E muito com colocar o centro do universo no lugar certo, que, por coincidência, não é o seu umbigo. Nem o de ninguém.

Esse mundo é urgente. Que bom. Não dá pra deixar nada pra amanhã mesmo. Inclusive as coisas que você mais quer. E não falo só dos sonhos pois não é prático ser tão genérica assim.

Na minha frente, agora, vejo seis planilhas abertas, cheias de números e contratos e prazos. Que ótimo ter um trabalho, produzir, ter dinheiro. Você vai aprender que colaborar faz parte de ser uma pessoa boa, também. Mas querida, lembre-se de respirar. Lembre-se de visitar os seus avós e amigos. Lembre-se de chegar em casa e ouvir um disco inteiro por puro prazer. Lembre-se de ir ao seu restaurante favorito quando tiver vontade. E, acima de tudo, tenha vontade. Essa urgência vai comer pedaços preciosos da sua história se você permitir. É a antropofagia mais triste do mundo, não vamos deixar acontecer com ninguém. Conto com você, Laura. 

Filhinha, sabe de uma coisa? Hoje estou triste. Às vezes o peso do mundo debruça em nossos ombros em forma de dúvida e nem ao menos sabemos por onde começar. Que crueldade. 

Quero te dizer algo: você não é a sua profissão. 

No meu diploma diz: Bacharel em Física, mas dentro de mim, sou cientista só um tantinho. E eu me sinto muitas coisas além disso: professora, neta, filósofa, bailarina. Torcedora do corinthians. Meio engenheira. Fã da Florbela Espanca. Encorajadora da arte. E astronauta um dia, se tudo der certo. O importante é ser feliz, olha só que clichê. E ser feliz é poder ser tudo o que você é.

Se essa história de genética tiver fundamento mesmo, a sua curiosidade nunca vai morrer. E por causa disso, você será muitas. 
Lembre-se disso Laura: você não é a sua profissão. Seu valor não é o seu salário.
Se estiver insatisfeita, mude. Se não estiver aprendendo nada, mude.
Sempre sempre sempre existirão outros caminhos. Tenha paciência para começar tudo outra vez. E desfrute a jornada de volta, apesar dos idiotas.

Saiba que nunca cruzei as fronteiras do meu país, mas todos os dias, atravesso com coragem as do meu próprio pensamento, aquela linha do pensar e imaginar. Em dias de chuva e inquietação, vou além, eu as destruo com a maior delicadeza do mundo. Sei que, juntas, vamos romper ainda em grandes aventuras, dos mais variados tipos. Mas se eu não estiver aqui pra te acompanhar, eu te peço, vá. 

Queria te deixar de presente o céu que vejo todas as noites, mesmo sabendo que é quase certo que você o veja menos. A mania de luz, que cega, só tende a aumentar. Olhe com atenção e não deixe o espanto morrer nunca. Se abrir a cortina da escuridão vai encontrar o segredo de tudo, a ciência e a poesia de mãos dadas e Deus cochichando coisas bonitas. Se a cortina não abrir, olhe pelas frestas.

A verdade porém, é uma só: que sei apontar as estrelas e nomeá-las cientificamente, mas ainda prendo, no céu da minha boca, as minhas desculpas, necessárias e ausentes. E por isso, Laura, eu te peço perdão pelo que eu talvez não fale mesmo querendo muito. Eu sei que é um pouco de covardia, assim, com a distância do tempo nos separando. Me perdoe e me entenda.  

Você vai conhecer tanta gente por aí, Laura, espero que sim. Pessoas são estranhas e maravilhosas. Não tenha medo delas. Se for pra ter, que seja só um pouquinho. Ter interesse por gente dos mais variados tipos, cores, credos e corações é o que de melhor se pode fazer para colher sabedoria.
Meu papel aqui é o de te dizer pra eleger com cautela aqueles que estarão ao seu redor, mas acho tudo isso perda de tempo e de vida. As pessoas certas não existem. Todas as pessoas são as certas, porque você as escolheu. Você verá que todos temos um lado bom e um monstro devorador, precisamos apenas saber domá-los. Sim, os dois.
Além das pessoas, temos como cohabitantes neste planeta, por enquanto, os seguintes seres vivos: árvores, flores, oceanos, animais e livros. Trate-os com a reverência que merecem. 

Eu te abençoo também, Laura, com a liberdade para acreditar em tudo o que quiser. Não se esqueça disso nunca. A razão, sozinha, é entediante.
Que quando na juventude estiveres reunida com teus amigos, naqueles momentos simples que fazem as melhores lembranças, saibas falar sobre coisas diferentes de "empresa" e o último vinho importado que experimentou. E que das viagens, traga mais memórias do que compras. 

Que um dia você fracasse e se frustre. Que sofra por amor. Que queira muito algo e não consiga. Que erre por imaturidade. Isso é estar viva, Laura. Machuca, mas vale a pena. Na pior das hipóteses, uma cicatriz é também uma boa história pra contar.

Que respeite as dores enfiadas a força por entre as tuas artérias, nunca sabemos qual é aquela que estanca a correnteza iminente de sangue morno, que tornaria tudo mais chato. Que experimente dançar sozinha na calçada em madrugadas tristes, como nos filmes dos anos 50. Que sempre pense em alguém que ama muito antes de dormir. Que prefira as perguntas e que, de vez em quando, esqueça o guarda-chuva. É a minha oração, Laura, querida.



Com todo o amor do mundo,


_Coeur de Pirate - "Cap diamant"